segunda-feira, 30 de abril de 2012

Mais duas poesias de Esta brevidade das palavras:





Fuente y rosa


Era fuente.
Y era rosa.
Tu boca cerrada.


El ruiseñor, el rocío y el llanto


El ruiseñor canta en la noche.
Y la noche se llena de silencios.
En la mañana el rocío es el llanto de la noche.




António Eduardo Lico

O poeta de hoje é Hafez, ou Hafiz. Persa, natural de Shiraz onde teria nascido por volta de 1320. Na sua poesia fluem o Amor, o Vinho, a sabedoria sufi, temas místicos, a Embriaguez, a dos sentidos e do vinho e a figurada na união extática com o divino. A poesia de Hafez é ainda hoje no Irão uma fonte de inspiração para grande parte da população. Terá morrido por volta de 1390.
A sua influència é grande na poesia ocidental
Fica este poema:


EPITÁFIO DE HAFEZ EM SHIRAZ

Recebi, a Deus graças, a boa nova:
Vou reunir-me com o meu Amado.
Vou por último abandonar esta gaiola
que tem o meu espírito prisioneiro.
Amigo! Amante!
Quando venhas ao meu túmulo, vem embriagado,
de uma bebedeira que nunca decresça,
cheio seu ânimo de um fervor que engrandece o amor,
a esperança.
Tem presente que a alegria deste mundo é curta,
passará com os anos vividos.
O importante é o que no final ficará,
dessa embriaguez que levas na Alma.

domingo, 29 de abril de 2012

Mais duas poesias de Esta brevidade das palavras:


Fonte dos desejos


Havia uma fonte.
E havia a sede.
Havia o desejo.

Inútil

Inútil e fermosa.
A lágrima de cristal.
Cai e seca.


António Eduardo Lico

Nascido no Recife em 1886 Manuel Bandeira é o poeta de hoje.
Aceite como integrante da geração de 22 do modernismo brasileiro, Manuel Bandeira não participou na Semana da Arte Moderna de 1922, mas enviou um poema - O Sapo - que foi lido no evento.
O seu estilo, directo e simples, mantém contudo a chama lírica, contrariamente ao também pernambucano João Cabral de Melo Neto.
Manuel Bandeira, poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor, é um dos maiores vultos da poesia brasileira.
Ficam dois poemas:

O BICHO

Vi Ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.




TRAGÉDIA BRASILEIRA

Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade,

Conheceu Maria Elvira na Lapa, - prostituída, com sífilis, dermite nos dedos,
uma aliança empenhada e o dentes em petição de miséria.

Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou
médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria.

Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.

Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez
nada disso: mudou de casa.

Viveram três anos assim.

Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.

Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos,
Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua
Clapp,
outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato,
Inválidos...

Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de
inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em
decúbito dorsal, vestida de organdi azul.

sábado, 28 de abril de 2012

Mais duas poesias de Esta brevidade das palavras:





Blues

Não era azul.
Apenas quisera ser azul.
Quisera apenas ser mar.


Calor

Como o calor que derrete a neve.
O teu sorriso era fugaz.
E voava leve, tão leve.


António Eduardo Lico

Manuel António Pina é o poeta de hoje.
Nascido em 1943 no Sabugal, é poeta e jornalista. Exerce actividade jornalística (cronista) no Jornal de Notícias.
Foi galardoado com o Prémio Camões em 2011.
Fica este poema:

A um Jovem Poeta

Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser

que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças

como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.

Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Mais duas poesias de Esta brevidade das palavras:





Pequena lágrima

A lágrima melancólica.
Era seiva de flor.
Aroma de fruto.


Enigmática

Enigmática, no sol.
Eras na praia.
Apenas murmúrio do mar.


António Eduardo Lico

Nascido em 1941 na cidade da Praia, Casbo Verdr, Arménio Vieira é o poeta de hoje.
Galardoado com o Prémio Camões em 2009.
Fica este poema:


Graças dou por Bento Spinoza
e também por Mallarmé,
já que ambos, em seu tempo
e seu lugar, viram o que jazia
oculto sob a máscara da Esfinge.
Sem se importar mesmo nada
com a maldição lançada pelos
rabinos lá do gueto, um judeu
de olhos meigos como as rolas
percebeu que os rios, o mar
e o firmamento não são meros
algarismos em que o Número
se divide, pelo que se torna
redundante dizer que há Deus e Natureza.
Esse ponto em que o texto como um rio
se desdobra e, nítido, surge o poema,
só se vê num mapa que Mallarmé doou
aos filhos que teve com a Musa.


quinta-feira, 26 de abril de 2012

Mais duas poesias de Esta brevidade das palavras:





Cantiga Secreta

De secreto nome havia uma flor.
E era também um rio e melodia.
E era breve, tão breve.


Mar ou Oceano, ou apenas água

No oceano triste, as velas se alevantaram.
Descuidadas sereias inundam o convés.
Havia só a água, e a espuma.


António Eduardo Lico

Du Fu é o poeta de hoje.
Nascido em 712 e falecido em 770, e contemporâneo de Wang Wei e Li Bai, forma com estes dois o trio que marcou a poesia da Dinastia Tang, considerada como que a Época de Ouro da Cultura Clássica chinesa.
Fica este poema:


Chuva de boas-vindas
numa noite de Primavera
A boa chuva sabe qual é a estação,
a Primavera traz com ela nova vida.
Segue o vento secretamente na noite,
humedecendo tudo finamente, sem som.
No campo selvagem, nuvens negras,
num barco no rio, uma luz a brilhar.
De madrugada tudo vermelho e húmido,
as flores pesam  na cidade de Jinguan.

(Tradução de Carlos Chan Cordeiro)



quarta-feira, 25 de abril de 2012

Em 1974, corria o dia 25 de Abril, militares portugueses, agrupados no Movimento das Forças Armadas, derrubaram a velha ditadura fascista. A senha que deu o sinal definitivo para que os militares se pusessem em marcha foi a canção Grândola Vila Morena de José Afonso.
Passados que são 38 anos, a fraternidade que emana da canção continua perene e vermelha como os cravos que perfumaram a revolução:



Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada esquina, um amigo
Em cada rosto, igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto, igualdade
O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola, a tua vontade
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade


terça-feira, 24 de abril de 2012

Mais duas poesias de Esta brevidade das palavras:





Cantiga de Verão

Inocente é o Verão.
Que de verde ondula searas.
E habita, pleno, as rosas breves.


Calor

Era o calor, esse abismo.
Que te mordia as veias.
Era o Verão que te anunciava.

António Eduardo Lico

Nascido em 1928 e falecido em 1953, António Maria Lisboa é o poeta de hoje.
Apesar de ter morrido apenas com 25 anos, António Maria Lisboa foi um dos mais importantes poetas dos círculos surealistas. Avesso a escolas, preferia cahamar-se de "metacientista". Dizia que "A Surealidade não é só do Surrealismo, o Surreal é do poeta de todos os tempos, dr todos os grandes poetas", em carta a Mário Cesariny.
A obra de António Maria Lisboa, embora de cunho manifestamente surrealista possui facetas ligadas ao oculto e ao esoterismo que a tornam pessoal e única nos círculos surrealistas portugueses.
Fica este poema:


Rêve Oublié


Neste meu hábito surpreendente de te trazer de costas
neste meu desejo irreflectido de te possuir num trampolim
nesta minha mania de te dar o que tu gostas
e depois esquecer-me irremediavelmente de ti

Agora na superfície da luz a procurar a sombra
agora encostado ao vidro a sonhar a terra
agora a oferecer-te um elefante com uma linda tromba
e depois matar-te e dar-te vida eterna

Continuar a dar tiros e modificar a posição dos astros
continuar a viver até cristalizar entre neve
continuar a contar a lenda duma princesa sueca
e depois fechar a porta para tremermos de medo

Contar a vida pelos dedos e perdê-los
contar um a um os teus cabelos e seguir a estrada
contar as ondas do mar e descobrir-lhes o brilho
e depois contar um a um os teus dedos de fada

Abrir-se a janela para entrarem estrelas
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha
E no CIMO disto tudo uma montanha de ouro

E no FIM disto tudo um Azul-de-Prata.

António Maria Lisboa, in "Ossóptico e Outros Poemas"

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Mais duas poesias de Esta brevidade das palavras:





Cantilena do vinho e da rosa


O vinho é como a rosa.
Rubro é o seu perfume.
Secreta é a sua flor.


Pequena música

Era apenas melodia.
Apenas voo de pássaro.
Era apenas o meio-dia.


António Eduardo Lico

Oswald de Andrade é o poeta de hoje. Figura marcante do primeiro modernismo brasileiro, nasceu em São Paulo em 1890 e faleceu em 1954.
Considerado o mais influente dos modenistas no Brasil, Oswald de Andrade foi autor dos mais marcantes manifestos do modernismo brasileiro, como fossem o Manifesto  sa Poesia Pau-Brasil e o Manifesto Antropófago. Oswald de Andrade marca com polémica e vigor todo o período que vai de 1922 a 1930.~
Fica esta poesia:

O gramático

Os negros discutiam
Que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Sipantarrou.

domingo, 22 de abril de 2012

Mais uma música de José Afonso. Desta vez o tema Maria do album Ó Vila de Olhão.
Muitas vezes esquecemos a enorme dimensão poética de José Afonso, prestando mais atenção à música e ao canto.




Maria
Nascida no monte
À beira da estrada
Maria
Bebida na fonte
Nas ervas criada

Talvez
Que Maria se espante
De ser tão louvada
Mas não
Quem por ela se prende
De a ver tão prendada

Maria
Nascida no trevo
Criada no trigo
Quem dera
Maria que o trevo
Casara comigo

Prouvera
A Maria sem medo
Crer no que lhe digo
Maria
Nascida no trevo
Beiral do mendigo
Maria
Nascida no trevo
Beiral do mendigo

Maria
De todas primeira
De todas menina
Maria
Soubera a cigana
Ler a tua sina

Não sei
Se deveras se engana
Quem demais se afina
Maria
Sol da madrugada
Flor de tangerina
Maria
Sol de madrugada
Flor de tangerina
Mais duas poesias de Esta brevidade das palavras:





Quase

Quase o mar, quase um navio.
Quase névoa, quase lágrima.
Quase perdido, o teu olhar, na lonjura.


Pequena canção para uma sombra
Era uma sombra, um sorriso.
Era redonda a lágrima.
Que esculpia melancolia no meu rosto.


António Eduardo Lico

Nascido em 1481 em Coimbra e falecido em 1558, Sá de Miranda é o poeta de hoje.
Estudo na Escola de Santa Cruz e depois na Universidade de Lisboa onde fez o curso de leis, tendo-se tornado professor na mesma Universidade.
Em 1521 partiu para Itália, graças a uma parente abastada, Vitoria Colonna, marquesa de Pescara. Conviveu com algumas figuras do Renascimento italiano, como por exemplo Ariosto.
Introdutor em Portugal da nova estética renascentista, soneto, sextina, verso de dez sílabas, Sá de Miranda é o autor do século XVI mais lido e mais admirado depois de Camões.
Fica este poema:
Soneto

O sol é grande, caem coa calma as aves,
Do tempo em tal sazão que sói ser fria:
Esta água, que d'alto cai, acordar-me-ia,
Do sono não, mas de cuidados graves.

Ó coisas todas vãs, todas mudaves,
Qual é o coração que em vós confia?
Passando um dia vai, passa outro dia,
Incertos todos mais que ao vento as naves!

Eu vi já por aqui sombras e flores,
Vi águas, e vi fontes, vi verdura;
As aves vi cantar todas d'amores.

Mudo e seco é já tudo; e de mistura,
Também fazendo-me eu fui doutras cores;
E tudo o mais renova, isto é sem cura.


sábado, 21 de abril de 2012

Inicio hoje a publicação do meu quarto poemário. Consta apenas de tercetos e atribui-lhe o nme de Esta brevidade das palavras.
Ficam os dois primeiros poemas:


Pequena melodia

Da palavra o som.
Do som a melodia.
Da melodia o poema.


Vuela la mariposa
La mariposa vuela.
Y rodopiando vuela la mariposa.
El Infinito es pequeño para tan breve vuelo.


António Eduardo Lico

Nascido em 1808 e falecido em 1851, o poeta de hoje é Gérard de Nerval.
Gérard de Nerval, pseudónimo de Gérard Labrunie. Desde novo conhecedor da literatura de v+arios países, entre os 19 e os 20 anos traduziu o Fausto de Goethe, o que lhe valeu o elogio do próprio Goethe.
Figura de proa do segundo, chame-se assim, Romantismo francês, Gérard de Nerval viajou ao Oriente e estudou várias doutrinas esotéricas e ocultistas.
Situa-se entre Victor Hugo e Baudelaire, a sua opção estética, afirmando muitos que Gérard de Nerval prefigura o simbolismo.
Suicida-se em 1851, num novo acometimento de esquizofrenia.
Ficam os Verses Dorés:


VERS DORÉS

 Eh quoi! Tou est sensible!
PYTHAGORE

Homme, libre penseur! te crois-tu seul pensant
Dans ce monde où la vie éclate en toute chose?
Des forces que tu tiens ta liberté dispose,
Mais de tous tes conseils l’univers est absent.


Respecte dans la bête un esprit agissant:
Chaque fleur est une âme à la Nature éclose;
Un mystére d’amour dans de metal repose;
“Tou est sensible!” Et tout sur ton être est puissant.


Crains, dans le mur aveugle, un regard qui t’épie:
A la matière même un verbe est attaché…
Ne la fais pas servir à quelque usage impie!


Souvent dans l’être obscur habite un Dieu caché;
Et, comme un oeil naissant couvert par sés paupières,
Un pur esprit s’accroît sous l’écorce des pierres!

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Mais uma poesia de Amanhecer obscuro:





Pior que roubar um banco é fundar um banco

Bertold Brecht

Poema concreto

Escrevo poemas que quisera
efémeros, como o vento
que beija as flores
e levanta ondas ao mar
para logo se desfazem na areia da praia,
como se o mar todo se acabasse naquele momento.

O vento quando beija as flores
não é como um cheque, ou uma letra:
quando se acabam, os bancos emitem mais.
Mesmo que se lhes acabe o dinheiro,
emitem mais. Porque eu não posso
emitir o meu dinheiro quando se me acaba?
Quando se me acabam as flores, procuro por mais.
O vento quando beija as flores, beija-as
como se nunca acabasse, e se acabasse
o saldo não seria negativo.

Até o Olimpo e os belos deuses gregos
se acabaram; ninguém se importou
em emitir mais; depois vieram profetas
que emitiram deuses e paraísos diferentes

Os bancos e os banqueiros
emitem dinheiro como se
emitissem paraísos e divindades.
Houvera quem os roubasse
como o vento rouba das flores
os perfumes.


António Eduardo Lico
Paul Eluard é o poeta de hoje.
Nascido em 1895 e falecido em 1952, Paul Eluard é o pseudónimo de Eugêne Emil Paul Grindel.
Participou activamente no movimento dadaísta, poeta fundamental do surrealismo francês, e considerado o poeta mais dotado deste movimento, Eluard foi sobretudo um poeta da Liberdade, por ele cantada em todos os matizes.
Ficam dois poemas:

A Curva dos Teus Olhos

A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito
É uma dança de roda e de doçura.
Berço nocturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.

Folhas do dia e musgos do orvalho,
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.

Perfume esparso de um manancial de auroras
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.

Paul Eluard, in "Algumas das Palavras"
Tradução de António Ramos Rosa


Liberté

Sur mes cahiers d'écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable de neige
J'écris ton nom

Sur les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J'écris ton nom

Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J'écris ton nom

Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l'écho de mon enfance
J'écris ton nom

Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J'écris ton nom

Sur tous mes chiffons d'azur
Sur l'étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J'écris ton nom

Sur les champs sur l'horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J'écris ton nom

Sur chaque bouffée d'aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J'écris ton nom

Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l'orage
Sur la pluie épaisse et fade
J'écris ton nom

Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J'écris ton nom

Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J'écris ton nom

Sur la lampe qui s'allume
Sur la lampe qui s'éteint
Sur mes maisons réunies
J'écris ton nom

Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J'écris ton nom

Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J'écris ton nom

Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J'écris ton nom

Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J'écris ton nom

Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attendries
Bien au-dessus du silence
J'écris ton nom

Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J'écris ton nom

Sur l'absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J'écris ton nom

Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l'espoir sans souvenir
J'écris ton nom

Et par le pouvoir d'un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer

Liberté

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Mais uma poesia de Amanhecer obscuro:





A cal que não fosse ávida de água...

Nunca escrevi versos em que usasse a palavra cal.
Eu sei que nunca tive razões para o fazer,
mas nunca fiz, e assim o digo.
Reconheço que já usei a palavra óxido,
não muitas vezes, mas usei, noblesse oblige.
Usei, já o disse, não para oxidar o poema,
ou provocar outras reacções,
não que eu seja dado ao estudo da química
mas dizem-me que pode haver reacções...
A cal, ao que dizem, é ávida de água
E eu só quero a cal que não é ávida
de água, seja água, água, ou oxigenada;
não digam que estou a usar óxido
neste fazer o poema.
Não sou futurista, nem me corre
nas veias o mais leve ânimo post-moderno,
por isso usei óxido com moderação
e ainda espero a cal que não seja ávida de água.


António Eduardo Lico


Nascido em 1802 e falecido em 1885 Victor Hugo é o poeta de hoje.
Poeta, dramaturgo, romancista, ensaísta e pensador político, Victor Hugo é figura marcante do Romantismo francês e da Literatura francesa. Ficaram célebres logo na sua edição Notre-Dame de Paris e os Miseráveis.
Muito se poderia dizer de Victor Hugo; gostaria de deixar expresso aqui o que Victor Hugo escreveu em 1876 quando Portugal aboliu a oena de morte, sendo o primeiro país da Europa a fazê-lo: Está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história. (…) Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória. A Europa imitará Portugal. Morte à morte! Guerra à guerra! Viva a vida! Ódio ao ódio. A liberdade é uma cidade imensa da qual todos somos concidadãos




Fica este poema:



A la belle impérieuse

L'amour, panique
De la raison,
Se communique
Par le frisson.

Laissez-moi dire,
N'accordez rien.
Si je soupire,
Chantez, c'est bien.

Si je demeure,
Triste, à vos pieds,
Et si je pleure,
C'est bien, riez.

Un homme semble
Souvent trompeur.
Mais si je tremble,
Belle, ayez peur.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Mais uma poesia de Amanhecer obscuro:





Cur non mitto meos tibi, Pontiliane, libellos ?
Ne mihi mittas, Pontiliane, tuos.

(Marcial, Epigr., VII, 3)

O binómio de Newton não é belo
é apenas um binómio:

é uma expressão que permite
calcular o desenvolvimento
de (a+b)n, sendo a+b um binómio
e n um número

Se ao menos n não fosse um número...
mas é! Dizem que é até um número natural

Os números podem até ser naturais
e pode ser reclamada a propriedade dos binómios;
continuarão a ser apenas expressões
de algo que não sabemos sequer se sabemos

Alexandre tinha inveja de Aquiles
que foi cantado por Homero.
Não teria inveja daquele binómio, o de Newton;
ao que sabemos, Newton não cantava

E mesmo que cantasse!
Já tinha estragado tudo
fazendo um binómio

Binómios não se fazem;
sabe-se que se podem fazer.
mas não se fazem!

Goethe preferia a injustiça à desordem
Newton preferia os binómios
o que será pior?

O binómio de Newton não é belo;
se não fosse de Newton, nem binómio
seria belo


António Eduardo Lico

Nascido em Juíz de Fora, Minas Gerais em 1901 e falecido em Lisboa em 1975, Murilo Mendes é o poeta de hoje.
Murilo Mendes não tem escola - foi surrealista e barroco, tradiconal e moderno e desprezou o enquadramento em estéticas e escolas. Cultivou excelentes relações de amizade com inúmeros poetas, inlectuais e artistas, como Ezra Pound, Camus, Miró, Roman Jackobson, André Breton e muitos mais.
Fica este poema:


A tesoura de Toledo

Com seus elementos de Europa e África,
Seu corte, inscrição e esmalte,
A tesoura de Toledo
Alude às duas Espanhas.

Duas folhas que se encaixam,
Se abrem, se desajustam,
Medem as garras afiadas:
Finura e rudeza de Espanha,
Rigor atento ao real,
Silêncio espreitante, feroz,
Silêncio de metal agindo,
Aguda obstinação
Em situar o concreto,
Em abrir e fechar o espaço,
Talhando simultaneamente
Europa e África,
Vida e morte.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Mais duas poesias de Amanhecer obscuro:





Obscura é uma clara palavra


Obscura é uma palavra que não é obscura
os poetas é que gostam de a usar.
Obscura, ela é clara na sua intenção.


Once… a few verses


Once I wrote a few verses

there were nightingales on your fingers,
green snakes grew up from your hair
as if Spring was inside you

I wrote a few more
but I can’t remember them
they were destroyed
by the acid only time has

someone told me
that using the word acid
was good for my poetry
critics love reading
this word trough the poems

oh critics, see how well
I use the word acid!
What? No, I am not a chemist
nor even a grammarian
I just draw words
without knowing the meaning

If I was a poet, pardon, a critic
or a thin literate, I should know
that nightingales belong to the dawn
and snakes to the Scriptures.
Spring is a question of Cancer
or Capricorn, all depends on latitude.
I am not a geographer
and I have to finish some verses:

there were nightingales on your fingers,
green snakes grew up from your hair
as if was Spring inside you…

If you don’t mind!


António Eduardo Lico

Nascido em Lisboa em 1855 e falecido em 1886, Cesário Verde é o poeta de hoje.
Precursor da poesia que se faria em Portugal no século XX, Cesário Verde exprimiu-se em tons impressionistas e naturalistas, e pode considerar-se que a sua estética estava perto de Baudelaire.
Fica este poema:

Deslumbramentos

Milady, é perigoso contemplá-la,
Quando passa aromática e normal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.

Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas!...

Em si tudo me atrai como um tesouro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de ouro
E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina...
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte!...

Eu ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demônio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o pêlo dum regalo!

Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como um brilhante.

Mas cuidado, mi1ady, não se afoite,
Que hão de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos - as rainhas!


segunda-feira, 16 de abril de 2012


Mais uma poesia de Amanhecer obscuro:


Havia um crítico...

Havia um crítico que gostava de criticar poesia.
Digo analisar. E analisava!
Analisava em jeito de caixa de petri,
Dizem-me alguns que era mais tubo de ensaio.
Não sei se era um senhor alto, ou baixo,
se usava chapéu e se fazia ginástica.
Se a fazia, não a devia fazer
os críticos nunca fazem ginástica,
com excepção dos críticos que a fazem,
poderia dizer um filósofo
que subitamente virasse lógico.
Perante o poema, sim, faz ginástica:
Fala de Lyotard, sim esse mesmo
que foi promovido a fenomenologista;
vejam bem, ele falava de fenomenologia,
e nem sei como não o promoveram
à incarnação gaulesa de Kant:
assim, uma espécie de Kant
perdido nos canteiros de Versalhes
e nas alamedas das universidades
olhando para as pernas das jovens estudantes.
Por sorte (a de Kant), Kant há muito morreu,
ainda seria olhado como pós-moderno.
Estou a ver: Kant, esse prolegómeno pós-moderno!
Depois desse Lyotard é que chegam os exercícios pesados:
Chega Sein unt Zeit, chega Heidegger.
Pois ele não dizia que era herdeiro
legítimo da tradição metafísica europeia,
e que estava solidamente escorado no niilismo,
e até falava de ontologia
e do esquecimento do ser como centro de interrogação
e que a linguagem é a casa do ser?
Se for caso disso, remata o exercício com Baudrillard,
de caminho vai dizendo que Platão e Aristóteles eram gregos...
Eu nunca escrevi um poema que fosse assim:
As rosas ao meio dia são mais antigas
que as rosas às onze horas
Eu sei que nunca escrevi, mas poderia ter escrito
Não escrevi, porque não sou dado a exercícios.
Se escrevesse, iriam trazer Lyotard, para falar
Da pós-modernidade moderna sem modernistas,
de como a democracia tanto deve
ao professor nazi de filosofia
Martin Heidegger de seu nome, substituto de Husserl
iriam trazer esse Baudrillard, ou outros.
Melhor era usarem um manual de jardinagem
um dos bons, que os há.
Os manuais de jardinagem sabem falar de rosas.
Os poetas, como não sabem falar de rosas
falam das rosas que irão um dia existir,
se existirem!


António Eduardo Lico

Nascido em Évora em 1945, Manuel Gusmão é o poeta de hoje. Professor universitário, ensaísta e tradutor, é fundador das revistas Ariane (estudos de literatura francesa) e Dedalus da Associação Portuguesa de Literatura Comparada.
Fica este poema:


Revolução orbital: vai-se a rosa transformando
na coisa múltipla, amante e amada, na acção
que assim a faz e nos acidentes mínimos – paisagens,
estações dos dias e das noites, dos anos da história.
Ondula no cérebro a fronteira que as margens da luz
desenham. E a rosa é uma hélice que vibra
no ar que a respirar obriga(s): torção dos pulmões,
do tronco e do sexo, dos nomes e dos vocativos
que se respondem: como um coração que deflagra
a rosa faz do ar que te falta a terra de onde nasces
e o chão sobre que danças.


In Dois sóis, a Rosa – A arquitetura do mundo

domingo, 15 de abril de 2012

Mais uma poesia de Amanhecer obscuro:



The dance of the Death is clumsy…and gracious

 The Death knows to dance,
dances from birth till the final compass.
Clumsy and gracious she wanders
inside your veins and gazing
into your eyes as if wanted to kiss you.
One day, that dark Lady
shall return from your bones
and invite you for a last tango.
Smile and accept.
You are dancing for the eternity.


António Eduardo Lico

John Keats nasceu em Londres em 1775 e faleceu na Itália em 1821.
Após estudar medicina, abondona a prática da medicina e dedica-se por inteiro à poesia. Publicou o seu primeiro volume de poesia em 1817.
Com Lord Byron e Shelley foi uma das principais figuras da segunbda geração do romantismo em Inglaterra.
No cemitério protestante de Roma, onde está enterrado está inscrito o epitáfio que ele próprio escreveu: Here lies one whose name was writ in water - Aqui descansa um homem cujo nome está escrito sobre a água.




A Dream, After Reading Dante's Episode Of Paolo And Francesca

As Hermes once took to his feathers light,
When lulled Argus, baffled, swooned and slept,
So on a Delphic reed, my idle spright
So played, so charmed, so conquered, so bereft
The dragon-world of all its hundred eyes;
And seeing it asleep, so fled away,
Not to pure Ida with its snow-cold skies,
Nor unto Tempe, where Jove grieved a day;
But to that second circle of sad Hell,
Where in the gust, the whirlwind, and the flaw
Of rain and hail-stones, lovers need not tell
Their sorrows. Pale were the sweet lips I saw,
Pale were the lips I kissed, and fair the form
I floated with, about that melancholy storm.

sábado, 14 de abril de 2012

Mais duas poesias de Amanhecer obscuro:





Marinheiros de Lisboa (nas Descobertas)

Eram apenas carne e ossos obscuros
os anónimos marinheiros de Lisboa.
Foram gente famosa, homens de aventura
e ninguém os conhecia, ou veio a conhecer.
Navegavam como se o Tejo nunca acabasse,
carregavam todas as gaivotas, como se
de guitarras se tratasse, e cantavam...


Em Maio houve Maiakovski

 Em Maio veio Maiakovski, o futurista
trazer as flores que Maio não tinha
e versos que soavam como bigornas.
Se calhar pensam que foste jansenista,
ou modernista, sem ser moderno.
Como tu gostavas de quadrados!
Há quem te pense até um geómetra
e veja nos teus poemas
o despontar de um novo Pitágoras -
de cada adjectivo fazias uma hipotenusa
davas formas poligonais aos advérbios
até fizeste triângulos com interjeições...
e da sintaxe fizeste um soviete, o supremo.
Dizem-me que mesmo um soviete
por supremo que seja não é geometria.
Não terá ao menos uma linha recta?
Era Abril, e já pressentias o futuro Maio
tu que eras um futurista condicional
e desenhaste em Abril
todas as flores que devem enfeitar os Maios.

António Eduardo Lico


José Régio, nome literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em 1901 e faleceu em 1969.
Poeta, dramaturgo, romancista, crítico, ensaísta e editor da Revista Presença que findou com Branquinho da Fonseca e João gaspar Simões e que marca o segundo modernismo português.
Fica esta poesia:


Poema do silêncio

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Mais duas poesias de Amanhecer obscuro





Não sei o que é a Poesia...

Não sei o que é a Poesia;
Se o soubesse, não escrevia poesia.
Para quê escrever o que já se conhece?
Escrevo palavras, e espero
que deuses descuidados
tratem de lhes dar sentido.


Horas felizes!

 As horas são felizes
Porque não sabem que são felizes.
Nem sabem que são horas
e têm minutos e segundos.
Nem imaginam que sisudos
Académicos dizem que têm
décimos de segundo, centésimos de segundo
e inclusivé nano segundos!?
Divertidos esses académicos,
banais imitadores de Zenão.
Quase conseguiram que
As horas não acabem

Nascido em 1972 Pedro Mexia é o poeta de hoje.
Jurista de formação académica, é também crítico literário.
Fica este poema:

Os Significados

Não sei como tudo começou: suponho
que havia uma figura que depois
se estilhaçou para formar um puzzle.
Mas se juntarem todas as peças
talvez não haja nenhuma figura, e então
de que origem intacta partiu tudo
o que depois se quebrou? É impossível
fazer estilhaços de estilhaços sem uma
coerência primeira, agora ausente.
Quando todas as peças se juntam
estaremos reduzidos ainda a uma peça
de uma figura maior, ou essa figura
é uma utopia pragmática, instrumental,
que permite algum sentido ?
Ó significados, para vós, na infância,
tinha um caderno.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Mais 2 poesias de Amanhecer obscuro:



Este habitar em mim...

 Habito dentro de mim

E vejo-me fora de mim.

Não sei ser, sem não ser.



Babylon


Lloyd was Lloyd.

He was also Georges.

So he was Lloyd Georges,

the Welsh magician.

Being Lloyd, he was Georges.

Being Georges, he was Lloyd.

He was destinated to be Lloyd Georges.

Lloyd Georges was dual.

No, he wasn’t because he was Lloyd and Georges,

or Welsh and British, even lawyer and politician.

Our man had always two positions as a politician;

perhaps, as a lawyer, even more

you know how the lawyers are…

Good old Lloyd…and Georges

let me remember you a minuteness;

oh that minuteness was laying

obscure at Babylon sands;

you see, I couldn’t resist to use

the word obscure; all poets use it, sooner or later.

Remember old Lloyd?

Oil, that’s it! Oil!

Remember good old Lloyd

your words, your joy –grab all that oil!

Where was your dual and proverbial position?

I know you was Lloyd, you was Georges,

later Lloyd Georges.

Let me guess old Lloyd, let me guess

I can see (and hear) you – There is Babylon

I am a lawyer; I want the hanging gardens at Downing Street

to study better this legal monument that is the Code of Hammurabi

the oil is just a detail, as the sand is just a detail in the desert

and I (him, Lloyd Georges) am not Nabuchodonosor,

I am not in prophet Daniel’s famous dream

even a prophet, a good one, couldn’t predict me.

Good old Lloyd Georges, Oh my welsh magician

you are dual and cold on your grave

and Babylon rests ignored under antique sands

never more vanquished, never more found.


António Eduardo Lico
Nascido em 1261 e falecido em 1325 D. Dinis, Rei de Portugal (6º rei) é o poeta de hoje.
Grande impulsionador da Língua Portuguesa, e cultor da Poesia, deixou belíssmos Cantares de Amigo e Amor.
Fica uma das suas mais famosas composições:

Ai, flores, ai, flores do verde pino
  
Ai, flores, ai, flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo?
           Ai, Deus, e u é?

Ai, flores, ai, flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
           Ai, Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo?
           Ai, Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi à jurado?
           Ai, Deus, e u é?

--- Vós me preguntades polo vosso amigo?
E eu ben vos digo que é sano e vivo.
           Ai, Deus, e u é?

Vós me preguntades polo vosso amado?
E eu ben vos digo que é vivo e sano.
           Ai, Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é sano e vivo
e seerá vosco ante o prazo saido.
           Ai, Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é vivo e sano
e seerá vosco ante o prazo passado.
           Ai, Deus, e u é?

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Duas poesias mais de Amanhecer obscuro:


Eu

 Que vozes desconhecidas
cantam em mim?
Que dedos sombrios
escrevem os meus versos?
Quantas pessoas me habitam?
Só eu me pertenço
e canto nas manhãs obscuras.
De mim apenas se sabe que sou eu.


O verde e o azul do mar e os filósofos franceses

 Verdes as ondas
onde o mar é azul.
O que diria um filósofo francês?
Faria doutrina que é cinzento;
que o mar é pós-moderno.
E nós? Nós os que
não somos franceses, nem philosophes?
Ficamos calados.
No mar habitam o verde e o azul.
O lixo que tem, esse é pós-moderno.

António Eduardo Lico
Camilo Pessanha, nascido em Coimbra em 1867 e falecido em Macau em 1926 é o poeta de hoje.
Clepsidra é o seu único livro. Publicado por Ana de Castro Osório, salvou porventura a poética de Camilo Pessanha do esquecimento.
Poeta simbolista, antecipou alguns dos aspectos que o modernismo apresentou. Fernando Pessoa apreciava muito a poesia de Camilo Pessanha.
Deixo este poema:


Violoncelo

Chorai arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
Trêmulos astros,
Soidões lacustres...
_ Lemes e mastros...
E os alabastros

Dos balaústres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
_ Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Mais uma poesia de Amanhecer obscuro:



Soneto da manhã obscura


Procuro da manhã o doce orvalho
Com que possa matar a minha sede
Que da infinita noite procede
Como secreto porto onde encalho

Oh gnóstica manhã onde eu talho
O que a minha boca não me pede
E nem o deus antigo intercede
E faz macio o chão em que batalho

Oh noite portentosa e magnífica
Ardes e consomes-te como sonho
Que cada manhã em vão certifica

No meu canto agudo e medonho
Que de ser vão mas claro, dulcifica
O fresco orvalho que me imponho


António Eduardo Lico


Nascido em Matosinhos em 1920, e falecido no Porto em 2001, Egito Gonçalves é o poeta de hoje.
Poeta, tradutor e editor, foi também um dos fundadores do Teatro Experimental do Porto.
Fica esta poesia:

Inventámo-nos

Inventámo-nos. Somos
Eco do mesmo apelo reconhecido,
A mesma busca
Dum resgate impossível.
A mesma fome nos ergueu
Os braços
A um gesto de encontro,
Um riso,
Um pólen na viagem do vento.
E eis que o pássaro inexistente
Pousa
Concreto e tangível
Sobre os nossos ombros.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Mais duas poesias de Amanhecer obscuro:


Geografias

Escrevi uns versos em que falava
de oceanos tristes.
Os oceanos não são tristes; nem alegres.
São oceanos quando uns senhores
a que chamam geógrafos
decidem que são oceanos.
E decidem que são apenas oceanos; nem tristes, nem alegres.
Se eu escrevesse um verso assim:
“Oh taciturno Atlântico Oceano”.
Teria por certo exegetas, que iriam falar
de uma certa tendência classicista
nos meus versos; talvez até digam que eu estudei Latim...
Teria legiões de geógrafos a reclamarem
em cenáculos nacionais, internacionais e transnacionais
que de oceanos só eles podem falar.
Que nunca foi encontrado um oceano taciturno.
Eu não sou contra os geógrafos.
Devia haver muitos geógrafos. Milhões de geógrafos.
Tinham emprego garantido
A ensinar Geografia aos gringos.
O Mar Negro, é Mar Negro;
se fosse taciturno, ou fosse
outra coisa qualquer,
certamente estaria irritado com os geógrafos.
Os Mares também se irritam?
Porque é apenas Mar Negro
E não Oceano Negro?
Só os geógrafos o sabem.
Eu regresso à Água.


Secreta dorme no seu casulo...

Secreta, dorme no seu casulo
um sono suspenso, a crisálida.
Se Darwin te visse!
Se um criacionista, ou mesmo dois,
pudessem penetrar o teu sono!
Até um adepto de Lamarck
poderia investigar o teu caso!
Não queria falar em Lamarck...
Já sei que me vão falar em Lysenko.
Trofim Lysenko para ser quase exacto.
Tinha mais um nome, mas não vou usá-lo.
Quero apenas ser quase exacto.
A exactidão aprende-se, não está na genética.
É isso, Lysenko não queria a genética;
e detestou Mendel; Mendel apreciava ervilhas,
era austríaco, e sem o saber originou a genética:
é o que muitos afirmam; Mendel, nunca soube
que tinha fundado alguma coisa.
Os que dizem que fundou alguma coisa,
sem o saberem, ou os que depois
inventaram o termo GENÉTICA,
talvez apenas gostem de ervilhas!
Lysenko...não se sabe o que originou!
Pelo menos não o sabem os que o criticam
e apenas dizem que o malvado Lysenko
não queria a genética.
Lysenko não queria Mendel e não queria
ervilhas, nem flores de ervilhas
Indiferente aos meus versos,
aos que trucidam Lysenko em manuais
que apenas são conhecidos no corredor
do Departamento dos autores,
a crisálida dorme sem saber que dorme;
dorme um sono frio e distante.
Dorme e não sonha, nem sabe
que dorme para acordar para a luz.


António Eduardo Lico